Clara e as teias
Clara e Júlio estão sentados no sofá encardido da sala de estar. Estão no apê dele. Pela janela olham a vida tomando cor lá fora, mas talvez quisessem olhar mais para dentro de si mesmos. Queriam e olhavam. A paisagem era só justificativa para ter o que falar. Encher o silêncio com qualquer coisa que não fossem suspiros. Ou sussurros.
O sol está prestes a transbordar do horizonte e a conversa que se mantinha superficial toma ares subterrâneos, de profundezas enigmáticas, de criaturas indefinidas. Caminhos sem volta talvez. Tanto fazia, tanto fizesse. Estavam sentados lado a lado há horas. As taças de vinho vazias há horas.
- Eu sei algumas coisas. Acho que não é tão difícil seduzir alguém. Eu não sabia, mas aprendi.
- Aprendeu onde?
Júlio quis saber "com quem", mas limitou-se ao "onde". A pupila cresce com o seu interesse ofegante.
- Ah. É a vida né?
Clara sorri com a sua certeza de mulher, ainda que discreta. Meio sorriso diluído da luz que entra da janela.
- Não acredito em você - Júlio sorri sem jeito com seus olhos que são dois sóis - 'Cê mesma tá cansada de dizer que não existe receita para essas coisas...
- Mas quando foi que eu falei em receita? Só estou falando que sei de certas coisas, coisas que no fundo acho que toda mulher sabe.
- É mesmo? Como o quê?
- Como isso.
Ouvindo Kind of blue (Mile Davis e John Coltrane)
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