De como virei consultora

Bom, começou em 1900 e bolinha, quando me pegaram para Cristo, quer dizer, consultora sentimental.  Fala que que te escuto e coisas afins. Muitos lenços de papel, paciência e uma vontade sincera de ajudar, embora tantas vezes sem saber como. Na maioria, de fato. Eu contava com pouca experiência de campo, mas costumava ser um poço de bom senso. Aliás, ainda sou.

Já estava acostumada quando entrei na faculdade e virei consultora acadêmica. Foram cinco longos anos. Ajudava os outros a se organizarem, emprestava material, estudava junto, puxava a orelha, dava apoio emocional. Árduo, mas fazia com muito gosto.

Depois disso, achei que a vida fosse voltar ao marasmo relativo. Voltou, mas alguns amigos insistem que eu devo escrever um livro de auto-ajuda sentimental. Falo até que vou, mas no fim encaro com riso: não me sinto realmente apta a dizer como alguém deve viver a sua vida, o seu romance... Ok, às vezes até digo, mas são casos extremos. Quem sou eu para dizer que sei como fazer alguém feliz? Que tenho a receita? Não tenho não. Ninguém tem, na verdade.

Mas me surpreendi ao me tornar consultora de coisas mais simples, mais mundanas - e nem por isso desagradáveis. Afinal, não é todo dia que viro consultora de presentes femininos ou de camisas e gravatas masculinas...

Só que aí eu me assusto com o que ainda vem pela frente. De que eu posso virar consultora ainda? E por que as pessoas costumam recorrer à mim, seja para o coração, a faculdade, a camisa ou a loção hidrantante feminina? Bom, até agora ninguém reclamou da consultoria, deve ser um bom sinal. Devo estar no caminho certo.

Ouvindo Aurora (Foo Fighters)

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