Platônicos

Flap flap flap. Lá vinha ela com suas havaianas amarelas e os dedos preguiçosos. Entrou com um sorriso de orelha e orelha e estendeu a mão para Zeca:

- Adivinha?

E era uma vez uma aliança dourada no dedo.

- Noiva?

Primeiro, ele quis torcer o nariz. Depois, torcer o pescoço dela. Ela que tinha dito que nunca que ia casar! Devia só estar esperando para dar o bote, isso sim. O primeiro a lhe pedir a mão e ela foi logo aceitando. Anda para lá e para cá. Quase rodopia de tão feliz. Tão infantil. Tão careta. Uma felicidade tão pequena que me dói. Ou é dor de ciúmes? Ou é dor da inveja da sua felicidade?


- Poxa, que... legal.

Sorriu amarelo-ovo e sentiu-se enjoado. Abriu as janelas para o ar entrar - e por que ela não podia sair agora? Pela janela mesmo?


Devia só estar esperando... A pessoa certa - porque as erradas ela tinha conhecido todas. E ele? Teria ela realmente conhecido Zeca? De verdade? Ela se sentou perto dele:

- Obrigada por tudo!

Pegou-lhe a mão esquiva, o olhar esquivo que nela se fixava agora:

- Você foi um grande amigo.

Amigo. E quis ser mais? Ô se quis! Primeiro, fantasiava com aquelas sandálias de tiras vermelhas. Mas ela foi ganhando peso e espaço em sua vida. Ganhou estatuto de realidade. Aquela concretude das unhas azuis, das pulseiras barulhentas, do perfume que ele aprendera a gostar, do seu sopro de alívio, sossego. O barulho dos chinelos.

Quem a olhasse uma vez, a veria insignificante  Era preciso olhar mais de uma vez. E isso ele tinha sabido fazer, como poucos. E passava tardes olhando-a, dividindo as coisas pequenas, já que as grandes nunca teriam. Mesmo?

Devia só estar esperando. Quem sabe até por ele? Mas ele sempre perdia o horário dos vôos. Perdia sempre a hora. Olhou no relógio porque ela também olhou. Pensou no cretino com quem ela ia se casar. Bom, não era mau sujeito, pensando bem, e talvez dessa a ela o que tanto passou a vida querendo:

- Consistência.

Disse ela certa vez. E Zeca era aquela gelatina que nunca ganharia forma - eternamente líquido escorria agora pela cadeira. Ela ainda segurava sua mão. Ela foi o lenço que o recompôs de volta à cadeira. Aquele seu olhar. E ele a olhou, com uma ternura que fluía dela. E foi felicidade o que sentiu, pois não parecia ser possível sentir mais nada. Uma felicidade mista e, como toda casquinha mista, uma coisa meio descontente. Mas entendeu.

Já não queria mais jogá-la da janela, mas não se importaria de pular. Esperou que ela saísse, não sem antes pedir que não desaparecesse - fato que considerou ser inútil - e ponderou, enquanto Godofredo pulava no sofá e o olhava compreensivo.

- Bom, talvez eu ainda tenha algo a oferecer.

Zeca acarinhou o gato, que ronronou.



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