Sobre o passado, o futuro e aquilo que tá no meio dos dois

Batidas na porta de casa. Cada fibra de madeira reconheceu aquele toque. Reconheceu a cadência, mas fingiu que não. Não queria abrir. Sua surpresa fingida ao constatar ele junto à porta. Cada fibra se arrepiou ao pensar o que viria pela frente. O velho senhor de outros tempos. 

Ela hesitou, olhando pela fresta da janela: "Bem que podia ir embora". Mas ele insistia, batendo suave e firmemente na porta. Os mesmos cabelos brancos, a barba longa e emaranhada, o olhar afetuoso e tranquilo. Não tinha envelhecido mais nenhum dia, como se tivesse parado no tempo. Pode o Passado parar no tempo? Parar o tempo?

Atendeu à porta. Ele sabia que assim ela o faria, pois era o passado, mas conhecia o futuro também. Lera qualquer coisa no restinho de chá da xícara dela  no último encontro, mas ela não quis ouvir. Era a teimosia de 'minha história faço eu'.

Ela sorriu educada, ofereceu-lhe a melhor poltrona e um café forte.

- Minha menina, te trago meus três filhos.

Olhou pela janela.

- Por quê? - desconfiança felina.

- Presente do Passado.

- E isso existe? Já vivi pretérito perfeito, imperfeito, mais-que-perfeito. O que vem agora? Não existe presente perfeito...

- Mas, minha menina, só pode ser perfeito quando for pretérito. Enquanto se vive não se vê.

- Não é a minha miopia que atrapalha.

Ele sorriu, paciente e paternal.

- É assim que você trata quem te traz presentes?

- Talvez não sirvam. Talvez não caiba em mim, talvez precise de barra, talvez precise de mais, talvez sobre muito, talvez não combine, talvez não agrade, talvez o gosto, talvez o susto, talvez a história...

- Então faça o ajustes necessários, mas são seus presentes - sorriu - confio na sua habilidade de consertar o que precisa de conserto.

Ela tomou um lento longo lindo gole de chá preto.

- E se...  E se não houver nada para ser consertado? Aí...

- Aí?

- Aí é que começa a aventura - ela esboçou um sorriso - talvez...

Pelas janelas abertas, entrava vento. Vento de coisa antiga com um quê de novo. Um quê de esperança.

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