O Primo visita Trash Girl


O Primo foi visitá-la no manicômio:

- Eu não sabia que você se sentia assim em relação a mim prima...Ele estava embaraçado, olhava para as próprias mãos trançadas. Não tinha qualquer noção do que estava fazer ou do que deveria fazer. Um colegial.

- É primo, sou uma mulher contida... e constante - disse Trash Girl teatralmente dramática.
Ele hesitava, ah como ele hesitava. Camisa pólo para dentro da calça. Cabelo irritantemente arrumado - repartido à esquerda. Relógio analógico com pulseira de couro. Tinha um sorriso bobo, parecido com soluço. Sempre a calma e a contenção. Não era a toa que a úlcera o devorava por dentro. Leão silencioso deliciando-se por entre suas entranhas – como a paixão bruta e irracional que pulsava por Trash Girl. Ela continuou, troçando:
- Você sabe... Nosso amor seria impossível Primo...
Sem perceber o tom no qual ela falava, ele continuou:
- Você acha mesmo? Digo, eu os entendo – e depois de uma pausa – mas eles também deveriam entender que só poderemos ser felizes juntos – e muito sério – estou pela metade e só você me completa.
Agora ela falava séria:
- Eu acho que a gente não combina, sabe? Olhe pra mim! Eu sou um lixo...
- “Lixo” é como você se sente: não significa que você seja isso... Não entendo porque você se sente assim...
- Ora, deve ser porque eu falhei – disse ela levantando a voz – em tudo quanto é coisa que podia falhar! Perdi meu emprego, perdi a grande chance da minha carreira, perdi meus amigos e perdi meu noivo pra minha melhor amiga. Eu falhei! Eu não dei conta Primo! Dei o meu melhor e de nada serviu, como você quer que eu me sinta? Lutar é inútil!
Ele olhou para ela com carinho – achava-a bonita mesmo vestindo o saco de lixo azul. O azul lhe caía bem:
- Se nada disso deu certo, não era para ser, acho. Seus amigos não eram seus amigos. Sobre o seu Noivo nem falo nada: me contento em odiá-lo duplamente. Empregos vão e voltam. Não é o fim do mundo. Lutar não é inútil... E se eu soubesse que você se sentia assim, teria lutado por você...
- Não sei – disse ela distante – não sei mesmo se lutar é útil – e ambos pensaram que ele nunca teria lutado por ela, pois tal coisa estava além de sua natureza vegetal.
Ele pegou-lhe a mão:
- E sinceramente não acredito que você tenha enlouquecido...
Ela recuou arisca:
- Só acho que você está cansada e desapontada e esse foi o jeito que encontrou para tirar umas férias, de si mesma e dos outros.
Trash Girl o odiou ardentemente naquele momento por ele a ter lido tão facilmente. Mas se odiou mais.
- Adoro esse lugar. Olha o jardim – disse ela sem conseguir disfarçar seu descontentamento, apontando para os lírios.
- É o nosso segredo – disse o olhar do Primo.
- Muito bonito aqui mesmo, mas por quanto tempo você pretende ficar? – perguntou ele ansioso.
- Ah! A vida toda – respondeu ela espreguiçando-se, junto à janela.
- Hum – engoliu ele em seco as suas vontades desejos fantasias – Eu tinha pensado em uma coisa – disse ele ainda semi-calmo.
Ela não deu atenção, estava sentada, ajeitando-se na cadeira desconfortável. A cicatriz do joelho lhe coçava em dias frios. As dos pulsos também. Um lampejo de desespero pulsava em seus olhos sem esperança.

Foi quando ele caiu aos seus joelhos, pegou-lhe as mãos, beijou-as desesperadamente e disse:
- Minha querida, vamos fugir!
E ele era carvão.

Comentários

biel madeira disse…
que final incrível, embora misterioso ainda pra mim, precisarei de muito tempo para entendê-lo!

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