Do outro lado do espelho
Esse rosto eu já não reconheço. Parece mais sereno, mais sério. Mais sábio? Não. Esse sorriso que carrego conheço de histórias que criei, de coisas que imaginei para mim - apesar de tudo ter saído diferente do que imaginava. Talvez de uma personagem ou outra perdida pelo caminho. É como se eu tivesse criado personagens para nelas me inspirar e me tornar outra pessoa. Pode?
Essas mãos seguras e essas unhas bem feitas eu não reconheço. Os cabelos sempre arrumados. Soltos. Curtos. Esses lábios vermelhos eu já não reconheço. Nem as botas pretas. Nem a firmeza do passo. Essas cores eu não já reconheço. Marrom, azul marinho, cinza.
O olhar eu reconheço - guardado à sete chaves por tanto tempo. É meu e de mais ninguém. Auto-descoberta é notar as pintas novas que surgem nas suas costas - e as ideias novas que brotam na cabeça. Cabeça ao vento num dia frio qualquer, indo comer um pastel, como fiz hoje. Reconhecer-se outro assusta e encanta. E permitir-se a mudança é algo que exige estômago - ou simplesmente necessidade. Não sei em qual via caminho, mas também não me importa. Só sei da velocidade ao volante.
Esses óculos escuros eu não reconheço. Nem o relógio. Nem os brincos - adeus coleção.
Apesar de tudo, as boinas, a melodia e as embalagens de Bis sobre a escrivaninha ainda são as mesmas. Embora o Bis seja de limão.
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