Coisas que você não diz só de olhar para ela
Para meu amigo Corintiano, que me acusa de radicalismo ao falar sobre forma e conteúdo
Ela era pequena e frágil e tinha uma cara sonsa de donzela indefesa. Aquelas coisinhas delicadas e insignificantes que vivem precisando ser salvas. O que a gente não sabia é que ela era faixa preta em karatê e já tinha dado surra em muito marmanjo. E, para sua sorte [ou azar], o seu discurso - duro por trás do adoçante - botava medo em muita gente. Quem olhava, nunca imaginaria.
A sua beleza era aquela coisinha da Namorada de João Gilberto, poucos sabiam da enorme tatuagem de dragão nas costas, escondida sempre por baixo das roupas bem comportadas, embora levemente transparentes.
Quem a via, pensava naquelas mocinhas de novela da seis: nem desconfiavam do seu divórcio turbulento, dos inúmeros amantes, dos casos tórridos. Nada. Nem do filho natimorto. Nem do romantismo perdido. Nem da sua estadia na África do Sul por três anos.
Tinha uma moto na garagem e andava por aí sem carta, mas escrevia cartas para rádios. Andava a 120 km/hora ao som de Bush, porque Born to be wild era para amadores. E tirava racha aos fins de semana: um prazer transbordando por velocidade. Amava a velocidade, o vento, as vias, as veias, a vida.
Já tinha experimentado muita coisa e vivido muita coisa nessa vida. A cicatriz perto da orelha esquerda. Entretanto, era discreta. E a sua discrição se estendia para os sérios problemas domésticos enfrentados desde a infância. Sempre a cabeça erguida, solícita, determinada, suave. E forte.
Ela passava seus dias sendo subestimada pelo que parecia ser, já que o de fora não combinava com o de dentro. Só que o tempo foi passando e ela passou a ter prazer em surpreender os outros:
- Como você pôde?!
Sorria - e piscava o olho para a câmera imaginária. O filme de sua vida. E não só encontrou prazer em brincar com as pessoas, mas passou a tirar proveito da situação. Se dissessem alguma coisa, ela dava ombros e olhava com aquela sua meiguice. O casaquinho cor-de-rosa.
Comentários