Das coisas que brilham


Parecia ter quinze anos de novo: chegava em casa, largava a bolsa, tirava as sandálias e corria pra cama. Ficava lá deitada, pensando, sonhando, querendo, filosofando, tramando. E tinha voltado a rir sozinha.


O pote de sorvete gritava da cozinha:

- Me guarde!

Mas ela lá ia querer saber de sorvete? 

E se não guardava nem a si mesma, ia querer guardar sorvete?

Ele derretia na cozinha, ela, no quarto. Janela aberta e os pensamentos e fantasias contaminavam a cidade. Acordaria cor de rosa? Talvez. Queria expandir, voar, fluir pelo fio de água que escorria da pia do banheiro - os dois escovam os dentes.

Ela tinha olhado para ele assim, meio de lado, meio rindo:

- Me aguarde.

Uma promessa. Uma provocação. Um pacto. Era o que ele quisesse que fosse. Foram-se unindo as lacunas entre ambos, até não sobrar lacuna. E num jogo de ligue os pontos, as pintas foram sendo ligadas e no rosto dele se viu a constelação de libra. Ela riu, ainda segurando a caneta BIC numa mão e o rosto dele na outra.

Eram deuses, nada mais.




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