Em seu devido lugar (e outras variações sobre o tema)
Vi a menininha dando cambalhotas e estrelas no tatame. Ela rodopia, estica, alonga. Já deu o horário, mas a aula não começou (a professora conversa com uma aluna) e eu esperando sem minhas sandálias.
O sol lá fora é morno e já é de tardezinha. A menininha se levanta - vai rodopiar em outra parte. De minha parte, tomo seu lugar e me deito no tatame. Estico, alongo - e penso. Não pensava nisso, não pensava assim, mas, mais do que nunca, penso sobre o lugar que ocupo no mundo.
Não, não é debaixo da escada esperando uma carta de Hogwarts chegar. Não, não é no fogão ou no tanque esperando o marido chegar. Não é esperando nada nem ninguém chegar. Não, não é no canto da sala esperando a poeira baixar. Não, não é com o grito morto a machadadas pelo silêncio. Nem com os álbuns antigos e essa nostalgia doente que anda assolando as pessoas. Nem entre as dez pessoas mais bondosas e justas. Nem entre as dez mais belas e famosas. Nem entre as dez mais inteligentes e influentes.
Na dúvida, sempre vou pelas negativas, por eliminação. Sei qual não é o meu lugar, mas creio que nem precisaria de tantas negativas para saber. Acho que todo mundo sabe lá no fundo, só que, muitas vezes, não se quer olhar.
Talvez um dos segredos da vida seja saber se colocar em seu devido lugar - e colocar os outros também, cada um em seu lugar. Pode ser feio isso de colocar as pessoas em seu devido lugar, mas é algo que por vezes é preciso fazer, já que elas não o fazem (ou não sabem fazê-lo?).
Também é feio porque é categorizar pessoas e eu disse a uma amigo que fazer isso é ser simplista e a vida e as pessoas são complexas. Olha, desconfio que nem todas e algumas só te oferecem as bordas. A gente vai até onde dá, não?
Categorizar é errado, mas dá uma impressão de segurança, de você saber onde está pisando. "Impressão" porque por vezes é falsa e fim de papo. E quando é verdadeira? E quando você entendeu, ainda que superficialmente, como funciona determinada pessoa e viu que ela não deve nem precisa ocupar um lugar na sua vida? Nossa, isso soou pesado, acho, mas poderia poupar muita coisa, muita gente, muito tempo. Entretanto, talvez se perdesse muito em aprendizado de vida, não sei.
Algum fato ou acontecimento sempre me lembra do meu lugar no mundo. Fisicamente, ocupo pouco espaço. No fundo, bem sei o que me cabe nesse mundo (o que não impede que ele me peça outra coisa amanhã, pois já me pediu coisa que nem pede mais...).
Notei a aranha no teto. Discreta e honesta. Quantas coisas não se deixa de ver por não se saber olhá-las? Se eu não estivesse deitada, olhando para o teto, nunca a teria notado. Aquela aranha discreta e honesta. Ela estava em seu devido lugar, junto à sua delicada teia.
Foi engraçado sentir que tudo estava em seu devido lugar: a menininha em frente ao espelho, a aranha em sua teia, a Terra em seu eixo. E eu estava exatamente onde deveria estar: deitada num tatame, os cabelos num desalinho só, esperando pela aula de dança numa tarde recheada de sol.
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