Espirais ( II )
- Você acha que eu estou brincando?
- Como você chegou a esse ponto?
- Que ponto? De vir aqui e te dizer isso?
- Não, de se sujeitar a isso. Além disso, você quer algo casual, eu sei. Isso não me interessa.
- Não é casual. Te quero de verdade.
Clara desviou seus olhos daqueles olhos ávidos e castanhos que tocavam seus lábios.
- Pior ainda, porque nós nunca daríamos certo. Eu sou seu porto seguro, mas você é o rei da incerteza. Não sabe ainda o que quer da vida.
- E você sabe? - disse ele com um despeito sufocado.
- Sim, eu sei - disse ela solenemente - Percebe em que situação isso me coloca? Você é o cara que quer tudo, é da sua natureza.
- E você é aquela que tem tudo sempre muito certo, sempre muito cheia de certezas... É isso? Olha, Clara, você não me conhece tão bem quanto pensa, eu não sou assim.
- Não foi o que o seu modus operandi me mostrou nesse tempo que a gente se conhece. Sei lá - ela se levantou - temos tanta afinidade, mas nossos valores... Nós mesmos... Somos diferentes demais, queremos coisas diferentes demais para ficarmos juntos.
- Não tinha uma desculpa melhor? - resmungou impaciente.
- E você acha que eu sou de dar desculpas? Cansei de me abrir com você, falar do que sentia, do quanto te queria e você me manteve esses anos por perto. Por quê? Seu ego? Uma garantia de que nunca ficaria sozinho?
- Não, não é nada disso. Eu sempre gostei de você. Só que algumas coisas estavam complicadas para mim, minha vida estava complicada. Precisei de muito para chegar até aqui.
- E agora que você se acertou, vem atrás de mim? E acha que é só estalar os dedos e zap?
- Só agora pude colocar as coisas no papel, dar a cada coisa o seu devido valor. Tenho revisto a minha vida, meus planos, o que já fiz, o que perdi. E aí caiu a ficha.
- E eu caí na real. Não aposto mais nenhum ficha em você. E não acredito em amor.
- Eu não acredito.
- Em que? Em amor?
- Não, em você. Você está fragilizada, só isso. Se me desse mais uma chance eu poderia te provar o que estou dizendo...
- Engraçado... - ela mergulhou a mão num pote de pipoca murcha, mas quem afundava era ele - Eu passei tanto tempo querendo tudo isso e agroa que você está aqui estou racionalizando.
- Não devia racionalizar, devia sentir. Sentir. Ou vai perder muito da sua vida.
- Ah devo racionalizar sim! Eu também ponho no papel o que eu sinto, eu penso sobre o que sinto. E nem sempre o que queremos é o melhor para nós. Tenho isso em mente desde que te conheci. E quem sabe da minha vida sou eu. Você não quis saber. Agora tanto faz.
- Por que você tem que ser tão dura comigo? - ele andava atrás dela pela sala.
Clara se virou para ele. Seus olhos perderam a dureza e voltaram a ser os mesmos olhos mornos de sempre. Louis quis abraçá-la, mas hesitou. Ficaram se encarando por alguns instantes. A grande novela que era a vida de ambos.
- Nós não temos perspectivas, Louis - disse ela tocando levemente o seu rosto - E para quê começar algo com prazo de validade? É desgastante, nós dois vamos sofrer. E não quero isso para nós.
- Eu só não queria te perder - ele se aproximou mais um pouco de Clara, arrumando a franja que escondia os olhos dela.
- Mas como se perde aquilo que nunca se teve? - disse ela, sorrindo com doçura.
Clara parecia desarmada, mas era só aparência, Louis sabia. Não que não fosse sincera nas coisas que dizia, mas sentiu que o momento de ambos tinha passado. Como o perfume de um desconhecido, sentido uma única vez numa estação de metrô qualquer. Há o gosto do chiclete na boca e o toque frio do corrimão da escada rolante. A voz das pessoas mudas. Silêncio. Há idéias e sentimentos e pensamentos e experiências. É uma combinação única e efêmera que nunca mais poderá ser encontrada. E aquilo tudo tinha passado para ambos.
Clara queria dizer adeus a história de ambos. Aproximou-se ainda mais de Louis, não quis mais ouvi-lo, entendê-lo ou tê-lo por perto, rondando-a. De repente, ele a abraçou. Suavemente. E foi com suavidade que ela o beijou. Parecia a coisa mais racional a se fazer.
Era o primeiro beijo de Louis e Clara. Um beijo de adeus.
- Feliz Ano Novo.
Embora fosse cedo, já ouviam os primeiros rojões lá fora. Alguns fogos de artifício já rasgavam o céu , alegres e ébrios. Era trinta e um de dezembro. E dia dois de janeiro, o apartamento de Clara já estava vazio, ansioso para ser alugado.
Ouvindo Stay (U2)
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