Feliz Natal [3]: A ceia
Para A. P.
Ela ficou olhando a mesa cheia de comida.
Nem só de comida vive o ser humano. Mas é a comida que enche barriga, pensou e sorriu, pegando um acolher de arroz branco.
Nozes! Era alérgica. Pousou o prato sobre a mesa, pois estava sem paciência (e sem jeito) de separá-las num cantinho. Sentia-se entorpecida pela nostalgia e ligeiramente só. Porque estar numa sala cheia de gente não queria dizer estar acompanhada. Poderia ter sido nocauteada pela tristeza, mas mantinha aquilo o que Cortazar dissera sobre literatura: o conto nos vence pelo nocaute, o romance nos vence pelos pontos. E sua vida era um romance - não um conto.
Rodeava a mesa. Comida enchia a barriga. E o que alimentava a alma? O que mantinha as pessoas de pé, a despeito da comida. Comida era sobrevivência. Mas e se quiséssemos vivência? Não podia escapar da retrospectiva 2011... Cheia dos seus altos e baixos... E cheia de tanta gente!
Olhou os sapatos novos e vermelhos, tão cheios de promessas quanto o final de ano. Sempre misturava o Natal com o ano novo. E sempre pensava em todos aqueles que tinham feito parte de sua vida. E, embora poucos estivessem presentes naquela ceia, pôde desejar, de coração, sem mágoa, pó acentado, o melhor. O melhor para cada um. O que quer que aquilo fosse, porque para cada um era uma coisa.
E com o que andara alimentado àqueles a sua volta? Não sabia cozinhar, nem ser literal. Com o que mantinha as pessoas à sua volta? A pão e água? Ou com banquetes? Longe de metáforas culinárias, ia tecendo, tecendo mantos de palavras mornas e afagos e acertos e erros. Ia cuidando, como podia, com o seu melhor, cultivando o que tinha de mais belo que, embora pudesse ser pouco, era o que tinha a oferecer: seu afeto, seu cuidado.
Queria nutrir a alma de quem a acompanhava. E, quem sabe um dia, encher a barriga daqueles que com ela dividissem a mesa - mas aprender a cozinhar era promessa para ano novo...
P.S. Um Feliz Natal a todos!
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Feliz natal a todos nós.