Conhece teu texto como a ti mesmo

- Eu já sei até o que deu errado. Sei até porque ganhei essa nota – ela comenta ligeiramente impaciente.
Ele procura o trabalho dela num saco plástico cheio de outros trabalhos. Com o cotovelo esquerdo, amassa um trabalho recém-entregue. Parece não prestar muita atenção nela.

- Tenho certeza! Vocês sempre pedem o “resumo” do texto mais as “considerações pessoais”, né? Eu sempre separo o fichamento nessas duas partes, mas da última vez não fiz assim. Afinal, vocês tinham dito que a opinião poderia estar mistura ao resumo. Aliás, nem gostei do texto, se bem que isso nem importa muito... Também não tive muito o que dizer, mas disse. Me lembro bem...

Ele continua procurando o fichamento sem olhar para ela nem responder nada – o que faz com que ela se sinta um pouco boba. Ele encontra o trabalho e entrega a ela. Em menos de três minutos, ela repassa seu texto e localiza a “consideração pessoal” ausente, um pouco acima do comentário docente “e o que você pensa disso?”

- Eu sabia que era esse o problema – diz ela e lê o parágrafo em voz alta para ele - “Segundo Kohlberg, “a julgamento moral é paralelo aos desenvolvimentos sociais e intelectuais que nele, também, interferem” (p. 254), mas tenho a impressão de que Carbone se utiliza desta afirmação (e de Piaget e Kohlberg) para corroborar uma acusação preconceituosa segundo a qual ‘os alunos de escola pública estariam mais atrasados moralmente falando do que os alunos de escolas particulares, pois aqueles relativizariam as normas em função de necessidades pessoais e estes não’ (p.258)”, está aí a minha opinião.

Ele lê o parágrafo com calma, percebe que ela está certa e altera sua nota. Mal a olha na cara. Em compensação, ela não sai do lado dele até que salve as alterações no seu laptop. Ela continua se sentindo boba – sim, uma boba, mas muito satisfeita.

Comentários

biel madeira disse…
e o discípulo supera o mestre à larga pelo simples fato de ser simples e saber o que faz...

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