Quinzinho e o tira-manchas

Sonhou que ela segurava seu coração por entre os dedos e o esmagava friamente. Acordou assustado. Quinzinho andava literal demais ultimamente e a separação só piorava tudo. Enterrar o grande amor dava-lhe uma sensação de perda enorme. Como se lhe tivessem arrancado o coração! Ah! Como ele se sentia ridículo e estúpido ao sentir todas aquelas bobagens. Bobagens? Eram coisas pequenas e para ele eram elas que realmente importavam.

- Às vezes, a gente insiste no erro - dissera-lhe um amigo.

Não podia mais insistir no erro, por isso deixou de levar-lhe as balas de coco. Preferiu guardá-las para alguém que não estivesse de dieta da vida. Voltou a dormir, só para limpar a sujeira criada pelo sangue do coração estourado. Acordou no dia seguinte, já sem o rombo no peito e notou que uma linha suave costurava sua carne branca, na altura do coração. Mas a camisa do pijama Hering ainda tinha uma mancha feia de sangue.

Estava cansado do próprio drama e da própria dor. E o tempo foi passando. Sentia cada vez mais falta de alguém e menos falta dela. Ela que não sabia o que queria, se o queria, tinha o Ricardão sou eu não você blá blá blá. Mas sentia um vazio grande. Queria uma namorada. Mas não seria ela: primeiro, porque não o amava mais, segundo, porque mesmo que o amasse, o orgulho não permitira que ela voltasse em sua decisão. Ela fugira dele. De novo. Mas era ele quem tinha decidido sair da vida dela, embora ela tivesse pedido que ficasse.

Quem te manda embora não tem o direito de te pedir para ficar.

Ao chegar em casa do trabalho, tentou tirar a mancha da camisa do pijama. E nada. E naquela mesma noite, sonhou com uma menina que não via há muito tempo. Em seu sonho eram namorados. Na noite seguinte, tentou tirar a mancha novamente ao chegar do trabalho. E nada. E sonhou com um amor da adolescência e eram namorados. Inúmeras noites se seguiram assim. Numa outra noite, a mesma história da camisa e da namorada - mas desta vez, a tal menina era uma amiga sua.

(Ficou sem graça ao vê-la pela manhã).

Na noite seguinte, uma sexta-feira, chegou em casa exausto e capotou no sofá da sala. Nesta noite, não sonhou com absolutamente nada. No dia seguinte, acordou e descobriu-se apaixonado pela menina com quem sonhara pela última vez. Engraçado como já não precisava sonhar: tinha conseguido sem querer aquilo o que [secretamente?] queria. O nome dela era Rosa - e não gostava de rosas, tão curioso aquilo...

Resolveu dar mais um chance a camisa manchada e quando a encarou no tanque, qual não foi a sua surpresa ao constatar que a mancha tinha sumido?


Comentários

Cayo Candido disse…
Ah os sonhos!

Ótimo texto!

Postagens mais visitadas