E era uma vez o idealismo furado dos amores e dos amantes
Se é ideal, é para ficar no mundo das ideias e não para ser colocado como uma meta a ser atingida. Pelo menos quando se fala dos amantes de Cony e Braga.
Li a crônica de Carlos Heitor Cony "Receita da amante ideal" sem a bronca que poderia ter se originado por conta do título: "receita" pressupõe uma fórmula e eu não acredito em fórmulas quando o assunto é relacionamento. Li sem bronca inicial, mas é claro que me deparei com o "perfil da amante ideal", como sugeria o título - o que trouxe careta posterior.
Um amigo me diria [como já me disse]:
- Você é muito categórica.
E dessa vez eu não torceria o nariz. Embora haja várias coisas que me atraiam, não consigo pensar no que seria um "homem ideal". Traçar um perfil quando se trata de pessoas é tolice, achando que é tudo uma questão de encaixe do tipo Lego. As arestas fazem parte. E que graça teria se eu tivesse exatamente o que eu queria. Um tédio. E tem outra: nem sempre o que eu quero é o que eu preciso.
Não é tudo preto no branco, nem se resume a insípidos 50 tons de cinza. Quantas camadas de sentido você tem e nunca ninguém se deu conta? E você mesmo(a) já se deu conta da sua complexidade?
Passamos tanto tempo tentando entender, pôr no papel, racionalizar e não-sei-mais-o-que que perdemos o momento. Simples assim. E por que ficar criando alguém que não existe em vez de abrir os olhos para o que existe ao redor - e até se surpreender?
Li "Os amantes" de Rubem Braga e achei o texto bonito, mas senti que tinha alguma coisa meio estranha. A ficha caiu essa semana, enquanto eu conversava com um amigo. Por que eu trocaria o mundo inteiro por uma pessoa? Todos os lugares, cheiros, sabores, amigos, experiências, viagens... Tudo! Por uma vida sufocante e simbiótica [?] no metafórico apartamento sem luz. Oi?
Não importa que é literatura [de mentirinha?], pois reflete uma visão de mundo de qualquer modo. Uma visão da vida da qual eu discordo, da qual não consigo partilhar, pois creio que uma das coisas mais legais de se estar com alguém é justamente compartilhar o mundo - e não se isolar dele e criar um outro à parte.
Vou muito mais pela Lygia e tenho a certeza feliz e morna de não ser o que alguém sempre sonhou. Não sou nem quero ser e, do mesmo modo, eu não poderia dizer isso a ninguém - o que me faz lembrar de uns versos acertadíssimos do Herbert Vianna:
Eu não te completo
Você não me basta
Mas é lindo o gesto de se oferecer
O que eu quero nem sempre eu preciso
Mas dê um sorriso quando me entender
Eu sorrio. Oferecemos o que podemos, o nosso melhor. E assim eu e você caminhamos junto a Humanidade.
Ouvindo Pessoa (Marina Lima)
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