"Você já pensou em vender?"
"Cidade" (1999), Frau Forster |
Quando eu era pequena, costumava desenhar muito bem. Era com frequência que as pessoas me diziam:
- Você já pensou em vender? Trabalhar com isso daria muito dinheiro!
Não sei se esse tipo de discurso vem no nosso mundo utilitarista e no qual tudo deve/pode ser convertido em valor monetário, ou se tem a ver com aquela história de trabalhar com prazer, fazer uma coisa que se gosta.
Bom, eu adorava desenhar (como ainda adoro) e pensar em ganhar dinheiro com isso parecia fazer sentido. Então comecei a fazer desenhos de observação, pois me sugeriram que seria uma boa maneira de praticar. Só que isso não me dava prazer, embora os desenhos ficassem bons. Ficou tudo por isso mesmo e continuei a desenhar o que eu queria, o que gostava.
Isso faz mais de dez anos e voltei a pensar nisso há uns dois, quando comentei com uma amiga minha que eu queria muito trabalhar com literatura, por ser algo que adoro, e ela disse:
- Ah eu não gostaria de trabalhar com isso: para mim, isso é só prazer.
Sempre me disseram que eu deveria fazer algo que gostasse: bom, eu adoro o que faço. Entretanto, não é porque faço uma coisa bem ou porque gosto de fazê-la que tenho que necessariamente ganhar dinheiro com ela. E, mesmo pensando assim, hoje me peguei quase dizendo:
- Você já pensou em vender?
Trabalho e dinheiro são apenas partes de nossas vidas: partes importantes, mas, nem de longe, podem abarcar nossas breves existências. Há outras coisas na vida tão ou ainda mais importantes. E entendo a minha amiga que não queria misturar uma coisa que para ela representa exclusivamente prazer com outra que seria o ganha-pão.
E aí, de repente, uma coisa que antes te dava prazer pode acabar virando obrigação, responsabilidade. Nenhum problema com obrigações e responsabilidade: é só que nem toda hora é hora. É uma linha tênue. Por isso, continuo trabalhando com o que gosto, mas fazendo outras coisas que gosto tanto quanto ou ainda mais. Assim tem funcionado.
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