Fazendo arte (?) ou Autoria

Cansada das flores e das frutas mortas da natureza morta, resolvi apelar: escolhi um peixe. Colorido e simpático, me apaixonei por ele à primeira vista. Recortei a figura e levei para a minha professora de pintura. Eu era uma boba naquela época e costumava esperar o aval das pessoas quando a mais interessada era eu.

Minha professora se chamava Verena* e era de família italiana. Sendo assim, se comportava como tal. Era expansiva, gesticulava bastante, tinha um certo sotaque e às vezes chegava a ser grossa. Me lembro claramente de como ela tratava homens e mulheres de modo diferente: os homens sempre com mais delicadeza e reserva, já com as mulheres falava tudo na lata e não tinha muitos papas na língua:

- O que você fez com o seu quadro? Por que todo esse verde!?

Assim, ela não se animou muito quando lhe mostrei a foto do meu peixe. Mas como (em bom português) eu estava pagando e o quadro era meu, ela não teve muita escolha. Tela, desenho e tinta a óleo. Ah como eu amo tinta à óleo... O meu esboço de peixe ficou bom. Eu desenho bem. 

Primeiro o fundo escuro, quase negro. E depois o peixe foi ganhando cores e texturas até ficar uma coisa muito bonitinha. Tão bonitinha que até a professora tomou interesse... Se meteu no meu quadro e pintou os olhos e a boca do peixe! Sim, ela pintou uma boquinha e peixe nem tem boca! Mas o que me incomodou foi que o sorriso do peixe deveria ter sido pintado por mim. Aquele sorriso foi o toque final, praticamente o sorriso de Monalisa...

Acabei me sentindo privada de uma parte do meu quadro infantil e na minha postura infantil, eu me lembro de olhar o quadro quase pronto com alguma tristeza. Uma tristeza profunda e uma nostalgia marítima. Coisas de piscianos?

Nisso já foram dez anos. O meu peixinho agora me acompanha alegre durante as refeições: está na parede da copa. E apesar de seu sorriso (tímido), o seu olhar é estranhamente melancólico. Por onde andará a minha professora? É um mistério submerso...

Só sei que o peixe foi um marco para eu largar mão do trivial e ir fazer o que realmente me apetece.


* Nome fictício

Comentários

Postagens mais visitadas