Educação Sentimental (parte I)

Atrás da porta

Ele tocou a campainha. O que esperava era um mistério, embora soubesse muito bem quem esperava que atendesse a porta. Zeca tinha ido buscar alguns livros lá há alguns meses e contou-lhe sobre o medo que tivera de ser tragado para dentro do apartamento dela, mas ele, Louis, resolveu arriscar. Digo, caso ela o chamasse para entrar e tomar um café.

(Mas é claro que chamaria).

Fazia muito tempo que não se viam e haviam se falado há uma semana, muito rapidamente pelo telefone - justamente para marcar o tal encontro. Ele dissera a si mesmo que precisava desabafar, mas no fundo talvez não fosse só isso. Não que Clara fosse lhe irresistível. Não era isso. De modo algum. Mas realmente precisava vê-la. Pronto, acabara de admitir para si mesmo. Não, nunca admitiria para ela. Precisava se proteger a todo custo de qualquer coisa que ameaçasse ir além da superfície que ele oferecia às mulheres que passavam pela sua vida. Um covarde? 

Clara teria respondido que não. Ela teria olhado pela janela, procurando as palavras em pardais no pessegueiro lá longe. Tão longe. Queria trazê-la para mais perto. Mas como? Ela podia ser concreta e, ao mesmo tempo, escorrer pelos dedos de quem quisesse tê-las nas mãos.

Ela demorava a atender a porta.

Louis tinha sua saudade, desabafada pelo voz abafada ao telefone. Queria ver seu rosto, seu olhos escuros e suas pupilas. Nunca conseguira distinguir a íris da pupila. Queria sentir o cheiro de sabonete, banho recém-tomado. Queria tocar-lhe os cabelos que lhe caíam como cascatas castanhas pelos ombros.

Ele estava ao pé da sua porta agora. Quem diria. E seu coração abarrotado de umas expectativas secretas, embora algumas palavras mais doces escorressem pela sua boca apertada. O coração apertado. Sentir aquilo era um misto de prazer e temor. Suas pernas somente haviam obedecido às ordens do seu instinto de vê-la o quanto antes. Haviam marchado de longe para encontrá-la e ouvir seu riso despudorado. Tão longe.

Ele sabia o quando aquilo ia parecer um lugar-comum ridículo à Clara, mas morria de vontade de dizer-lhe que ele nunca havia conhecido uma mulher como ela.

E esperava.

Comentários

Sirius disse…
Eu acho incrível o fato de você, sendo uma mulher(talvez por ser escritora, não sei) consegue passar a ansiedade que um homem sente ao ficar diante da porta da casa daquela mulher tão especial(e embora seja para Clara, talvez, um lugar comum, única), que ele teve a chance de reencontrar. E talvez essas mulheres - únicas - não acreditem no quanto são... peculiares, para dizer o mínimo. Belo conto, e reitero meu espanto - você traduziu a ansiedade de um homem diante da mulher pela qual está apaixonado.

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