Amores possíveis
Já fazia tempo, mas parecia que tinha sido ontem.
Ou tinha sido ontem?
Quando ela apareceu ele mal acreditou, embora soubesse que ela viria. Era uma reunião de alguns poucos amigos. O aniversário de uma amiga em comum. Era óbvio que ela viria. Sim, ela viria e traria com ela, sem dúvida, um olhar fundo, a pele sem viço, as mãos inseguras, um arrependimento estampado no rosto pálido. Era isso o que ele queria.
Sorriu junto a porta, segurando uma garrafa de vinho. Radiante. Adorava vinho (precedido por massagem nos pés). Cabelos em coque. Um vestido preto (lembrava do vestido). Os joelhos redondinhos à mostra.
Estava radiante - como sempre. Bela - como sempre. Talvez até mais do que ele se lembrava. Perdera uns quilos. Cortara o cabelo. Aprendera a usar maquiagem. Salto alto. Não, não era só o corte de cabelo. Emprego novo. Novos ares. Era a mesma pessoa que ele tinha conhecido alguns anos atrás, mas tinha um quê de diferente. Ela estava muito bem. Estava pintado em seu rosto, ela nem precisava dizer nada.
(fingimento? não, ela não precisava: não era coisa dela)
A sua alegria o ofendia profundamente. Como poderia estar feliz? Como poderia continuar bonita? Como o mundo tinha continuado para ela? Bom, decisão mútua. Então por que tanta mágoa?
Ela conversava com uma amiga. Sorriu. Ele viu e se lembrou: aquela covinha era sinal de desconfiança (ela não comprava o discurso alheio com facilidade, principalmente quando embrulhado em pseudo-maturidade e sabedoria barata e frases de efeito encontradas em qualquer livro de auto-ajuda).
Preferia não tê-la visto. Para que aquilo? E ela se aproximou dele - como se nada tivesse acontecido. Talvez ela devesse se comportar como ele: fechado, distante, frio (não, isso não lhe cai bem).
Talvez tivesse lhe dirigido a palavra, se ele não tivesse assumido aquela postura. Quem? Eu? Toda vez que estavam na mesmo grupo, ele fechava a cara, cruzava os braços, olhava para o chão, ficava muito sério - era como se ela não estivesse lá. Ele a ignorava. Sim, ela, aquele ser repulsivo e cruel. Mas se a ignorava, por que tanto incômodo? Era tudo uma via de mão dupla. Complexo como as coisas tinham passado a se revelar para ele.
E já não sabia quem tinha matado quem...
(mas desconfiou - embora nunca viesse a aceitar).
Depois de uma noite desconcertante, ela se despediu com um tchau tímido e um aceno de mão. Ele, naturalmente, não respondeu. Fingiu que não tinha visto nem ouvido. Cego, surdo, mudo.
(mas a viu feliz e ouvi seu riso)
E viu mais... Viu que era doloroso demais ver que ela tinha sobrevivido e que estava melhor sem ele.
Ouvindo Acontecimentos (Marina Lima)
Ouvindo Acontecimentos (Marina Lima)
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^^