Exorcismo coletivo ou De como não sei dançar
Ela sabe que não sou chegada em corridas. Nunca fui.
- Ah quero não - respondi, apressando o passo, descendo as escadas...
Fui.
Eu fui o tiro que cortou o ar. Sem os pés no chão. Podia ter estilhaçado a vidraça. Mas eu era ar livre. Sem paredes - só o palco no fim e Bowie no ar. Comigo.
- Corre! - gritavam alguns animados.
E eu continuei correndo. E correndo. E correndo. Não sei porque corri, porque corria. Também não sei porque parei. Mas parei e virei: Charlie tinha parado bem atrás, lá looonge, arquejante, asmática. Esperei que ela chegasse. Esperei dançando [?]:
E pensar que no dia anterior eu era a magricela de vestido bonito, salto alto, cookie na mão. Mordiscava-o enquanto o meu coração seguia passional a percursão. E eu ensaindo um passinho aqui. Outro ali. Mas não sei dançar. Mas esse não era o problema, porque nem que eu soubesse, lá não era lugar para dançar. Era um evento profissional. E de papéis sociais eu entendo muito bem.
Engoli a vibração da percursão. Meu corpo reverberava e absorvia todas as notas daquelas batidas. E eu querendo sair dançando loucamente, jogar os sapatos, os cookies, largar a bolsa no chão. Rodopiar.
Mas não.
De volta a Bowie, fui a um dos eventos do 16º Cultura Inglesa Festival no último domingo. Várias bandas se apresentaram no Parque da Independência (SP) e a noite terminou com a apresentação de Franz Ferdinand - e eu maldizendo o dia em que nasci pisciana para ter os pés tão sensíveis.
Gostei muito dos shows. Muito mesmo. Aquele som que percorre o seu corpo e sai pelos seus poros. Parece que te limpa, purifica. É quase um exorcismo coletivo: adeus preocupações, demônios, problemas... Ao menos por uns três minutinhos. E os braços se agitam, cabeças, cabelos, gritos, pulos.
Por esses três minutos, somos todos iguais: a nosso desejo é a mesmo. Que a música nos torne mais do que os meros mortais de cada dia. Queremos a comunhão com a voz, a melodia, os instrumentos, a multidão, as luzes. Somos um só cantando juntos:
Saí de lá deixando para trás três toneladas. E as cinzas.
[e continuo pensando em como eu corri naquele dia e em como muitas vezes a gente desconhece a si mesmo - o que é muito bom: imagine o tédio se conhecer por completo!]
Por esses três minutos, somos todos iguais: a nosso desejo é a mesmo. Que a música nos torne mais do que os meros mortais de cada dia. Queremos a comunhão com a voz, a melodia, os instrumentos, a multidão, as luzes. Somos um só cantando juntos:
Saí de lá deixando para trás três toneladas. E as cinzas.
[e continuo pensando em como eu corri naquele dia e em como muitas vezes a gente desconhece a si mesmo - o que é muito bom: imagine o tédio se conhecer por completo!]
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