Folie à deux
- Tenho medo de enlouquecer - me confessou Frida, muito séria, depois que todos tinham saído da cozinha.
Admiti que também tinha, mas acabei não lhe contando qual era a minha grande estratégia: "elouqueça os outros antes que eles te enlouqueçam". Estratégia essa que vinha dando muito resultado. Além disso, por vezes era necessário desligar-se do que acontecia ao redor, abrandando a gravidade das coisas graves que iam tomando conta de tudo e pesando ao nosso redor.
Frida arrumou os cabelos presos e o casaco felpado. Olhei para seu rosto: tão cansado quanto o meu. Nós duas tão jovens e já com tanto em jogo. Tanta coisa nas mãos. Tanta responsabilidade. Tanta falta de jeito para coisas que ninguém conseguia resolver e que nós duas, cada uma ao seu modo, tentávamos levar.
Ainda assim, havia o medo de enlouquecer, pairando silencioso e gritante em nossos ouvidos. Aquele silêncio pré-apocalíptico, antes de explodir o peito, o crânio, antes de explodir a bomba.
Os pratos vazios sobre a mesa e nossas almas tão cheias de tudo. Respiramos fundo e rimos. E falamos sobre arte. Porque o riso e a arte iriam nos salvar. E a literatura. E o nosso bom senso e a nossa lucidez. Porque aquele que se embriaga em demasia não consegue se salvar quando o navio está afundando. Mantinhamo-nos ligeiramente ébrias, mas sóbrias o bastante para pular no mar e nadar até a margem quando chegasse a hora - que logo chegaria.
E, além de tudo, sabíamos nadar. Eu olhava para essa minha nova amiga e nela me reconhecia. Um alívio sempre é reconhecer-se no outro e saber que com ele pode se dividir, ainda que em silêncio - no riso ou no pranto - medos concretos como o de enlouquecer.
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