Educação Sentimental (parte IV)

Ouviu-se um barulho cessar.

- É a máquina de lavar.Tenho que estender roupa, quer vir comigo?

Era um daqueles convites exóticos de Clara. Seguiram até a lavanderia, pelo corredor, mas antes que chegassem lá, passaram  pelo quarto. Rapidamente, ele pode notar: a cama desfeita, os lençóis emaranhados, roupas espalhadas pelo chão. Será que alguém tinha estado lá? 

- Nem repare a bagunça, andei numa correria esses dias.

- Ah! Claro, sem problemas - e depois de uma pausa - E o que você vai fazer hoje?

 - Vou ver o Rubens. Temos que ensaiar algumas músicas ainda.

- Rubens... Se eu fosse seu namorado, teria ciúmes.

- Mas não é Louis - ela sorriu.

Ele não entendia de onde vinha aquela ternura morna com a qual ela o encarava tão segura de si. Em que momento ela tinha mudado e ele não tinha percebido? Entraram na lavanderia.

- O Thiago não entendia nada, não respeitava meu trabalho.

- Bom, eu entendo o lado dele. Você se expõe muito.

- No palco? Ah! É só a minha voz, não a minha nudez. E se fosse a minha nudez? Se eu fosse aquelas atrizes de teatro que precisam do desprendimento próprio da profissão é uma coisa, mas eu só canto, não faço mais nada. 

- Mesmo assim. Todos os olhos estão em você.

Pausa.

- Talvez nós dois juntos tivesse dado certo.

- É, talvez - disse ele um pouco espantado - Você já pensou nisso, é?

Ele se arrependeu da pergunta.

- Não, estou pensando agora. Mas devo estar pensando errado: nem chegamos a nos beijar.

Ela não se arrependeu da resposta.

- Hunf - resmungou ele irritado.

- Ah! Não fique assim: foi uma escolha mútua, não? 

Não, não tinha sido.Tinha sido escolha dele, escolha da qual ele começava a se arrepender. Amigos, bons amigos.

- Você está diferente...

- Desculpa.

Naquele pedido havia uma mistura de sinceridade e zombaria.

- Não é questão de desculpa, Clara. As pessoas mudam, não? Só não sei quando você mudou que eu não vi.

- Você estava se casando - ela riu.

 Clara tirou as roupas da máquina, foi colocando-as numa bacia.

- Eu não sei como lidar com você - ele explicou, encostado junto à porta.

- E desde quando você precisa lidar comigo? - ela sorriu, abafando sua agressividade -Você é livre para ir quando quiser, Louis. Não há nada que nos prenda, você sabe?

- Odeio o seu drama de novela.

- Eu não estou sendo dramática, estou sendo prática. Eu cansei de mim mesma, sabe? E cansei dessa situação nossa, que se arrasta por anos - disse ela sem olhá-lo, enquanto pendurava um par de meias.

Parou e olhou para ele. O homem feito e seguro não passava, ao menos agora, de um menino esquivo e ressentido. E, ainda que esquivo, estava à porta da sua lavanderia, discutindo a vida de ambos como se estivessem juntos. Ela se aproximou dele:

- Imagino que esteja cansado também - tocou-lhe o rosto de leve, barba mal-feita.

Ele não disse nada. Clara passou as mãos pelo rosto dele - olhos fechados.

- Não há mais nada que eu possa fazer, Louis.

- Mas eu não quero que você faça nada - tomou-lhe e beijou-lhe uma das mãos.

Ficaram se olhando por um longo instante. Pela primeira vez naquela conversa, ambos estavam completamente desarmados. Olhos nos olhos.

- Eu não sei o que sinto por você, nunca soube explicar - ele se desculpava.

- Mas algum dia eu te cobrei alguma coisa? - ela mexe nos cabelos dele - Eu só estava lá, só isso. Achei que bastasse.

- Mas bastou, é só que... - ele não conseguiu terminar, não sabia o que dizer.

Eles permanceram presos naquele momento. Era o mais próximo que já tinham chegado. Ali, abraçados sobre um céu de meias suspensas. Mas ele hesitava, ela sentia e sabia. Desvencilhou-se dele com delicadeza:

- Tenho que terminar isso aqui, depois vou pôr tudo em ordem, tomar um banho e ver o Rubens.

Suspiro. A mornidão do corpo de Clara ainda permanecia junto ao corpo de Louis. Assim como o cheiro de sabonete.

- Claro, claro. Eu já estava de saída - ele disse desconcertado.

- Espero que você consiga resolver a situação com sua esposa - disse ela mecanicamente.

- Sim, é claro - ele respondeu também mecanicamente.

Seguiram de volta à sala e ela acompanhou Louis até o saguão do prédio. No elevador só o silêncio, ela já não o preenchia com sua verborragia. 

Louis sentia seu corpo pesar e dissolver-se no piso de mármore, enquanto via Clara se afastar cada vez mais. Não olhou para trás. Tinha sido assim desde sempre.

Comentários

Em uma palavra? Foda.

Achei que eles fossem se beijar. .-.
Leandro Amado disse…
Legal, Lari. Gostei da relação do momento com as roupas sendo tiradas da lavadoura. Gostei dessa seriezinha, é a última parte?
Frau Forster disse…
Sté:
É, eu também achei que eles fossem se beijar...

Leandro:
É a última parte sim. "Educação Sentimental" foi um encontro entre Clara e Louis dividido em quatro partes, mas é possível que eles voltem a se encontrar.

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