João e Paulo: Entre a cruz e a espada
João: - Tô saindo com uma menina, já te disse?
Paulo: - Não, não disse não. Quem é ela? Eu conheço?
J: - Não. A gente se conheceu numa festa.
P: - E como ela é? Bonita, né?
J: - Claro que sim! Miudinha, sabe? Cabelo curto e preto. Olhos verdes. Que boca, Paulo!
P: - Não sei que graça você vê em mulher assim. Mulher tem que ter carne meu amigo, carne! Suas musas hollywoodianas são todas essas meninas pequenas e frágeis. Cabelo curto e preto? Ah!
J: - E eu não disse que ela era frágil, só pequena. Fique com suas louras que eu fico com minhas morenas.
P: - Tá, bonita ela deve ser. Mas é legal ou é mais uma daquelas suas namoradas dignas de auto-flagelação?
J: - Ela é bem legal. É segura, inteligente, muito pé no chão, eu acho. Bem intimidante, na verdade. Muito direta. Eu acho que eu nunca teria falado com ela... Além disso, ela não é minha namorada.
P: - Então foi ela que falou com você?
J: - Foi.
P: - Tô até com medo de pensar na abordagem dela para se aproximar de você - ri.
J: - Na verdade, não foi nada de mais. Tínhamos um conhecido em comum que nos apresentou e tudo mais. Depois de um pouco de conversa, ela me disse que tinha insistido para que o cara nos apresentasse, porque me achou "uma graça". Ela disse que ele enrolou bastante, claro que porque ele sabia da minha idade, apesar de não ter dito nada à ela. Além disso, acho que o cara estava muito interessando nela.
P: - Credo! Muito sem graça... Mulher sem mistério não é nada. Não tem o que descobrir. Por isso que não gosto de mulher direta.
J: - Nunca gostei de enrolação, de joguinhos e truques. Gosto de honestidade. E ela sempre foi muito honesta comigo.
Longa pausa.
J: - Acho que estou gostando dela...
P: - Que droga, Jão! É o começo do fim. Cai fora antes que ela te ponha uma coleira - come um amendoim.
J: - Sei lá, ela é tranquila, não é desse tipo. Na verdade, o problema é meio que o contrário: ela me deixa muito solto.
Paulo ri.
P: - Era só o que me faltava! Acho que quem quer uma coleira é você! Melhor se ela não fica no seu pé, lembra da Vanessa?
J: - Nossa! Sua vida era um inferno, só faltou ela colocar um GPS em você! Mas a Melissa é diferente...
P: - Melissa? Mel. Nome de dondoca... Diferente como? Ai ai ai, já começou na idealizar a garota?
J: - Pô! 'Cê sabe que eu não sou disso, né? Ela é diferente das outras namoradas que eu tive. Mesmo porque, de onde você tirou que Melissa é nome de dondoca? Você nem sabe nada dela.
P:- Tô esperando a sua boa vontade homem! "Diferente das outras namoradas", tá indo bem o negócio pelo jeito... Mas diferente como? Eu não aceito esse tipo de coisa! Ninguém é igual a ningém, você sabe disso, né?
J: - Meu! Você tá parecendo o meu pai!
P: - Sempre gostei do Seu Humberto.
J: - Por que ela é diferente? Bom para começar não tem nada de dondoca. Na verdade, ela trabalha.
P: - Eu também trabalho ué?
J: - Paquerar as coroas na oficina do seu tio não é trabalho, Paulo.
P: - E o que você quer que eu faça com 16 anos? Vire um magnata do petróleo?
J: - Bom, você podia fazer mais e sabe disso. Mas voltando a Melissa... Ela trabalha num escritório...
P: - Isso eu também poderia fazer, não vejo nada de especial.
J: - Um escritório de advocacia.
P: - E?
J: - Ela é advogada, Paulo.
Breve pausa.
P: - Por acaso você já me disse a idade dela?
João olha os amendoins sobre a mesa.
P: - Mandou bem Jão! Pegando mulher mais velha! Quantos anos ela tem?
J: - Ai nada a ver! Não tem essa de pegar, gosto dela mesmo.
P: - Lá vem a melação afe! 'Cê não tá pensando em levar isso a sério, né? Se por um lado mulher mais velha tem mais experiência, por outro, levar uma relação a sério é complicado. Se eu fosse você, só ia curtir mesmo. Curtir muito. Se bem que o meu negócio é menina mais nova...
J: - Ah, mas quem disse que eu não tô curtindo? Claro que tô, mas acho que não é só isso...
Paulo ri.
P: - Uma coisa que tá me mantando de curiosidade: ela sabe sobre você?
J: - Por que você está perguntando isso? Acha que eu não dou conta?
P: - Acho que não dá conta mesmo, mas não por isso. Ela aceitou numa boa a sua idade?
J: - Ela parece ser muito mais nova do que realmente é e eu pareço ser bem mais velho.
P: - E isso faz de vocês o par perfeito? Olha, eu acho que isso vai dar porcaria. Vai acabar em choro (noooossa! pareço a minha mãe falando). E seu choro, como sempre. Ela não sabe que você tem 16 pelo jeito, né? E o que vai fazer quando descobrir? Se quiser enganar, engana direito, você lembra da Vanessa, né?
J: - Surtou com você porque você mentiu para ela. Me desculpa, mas ela teve toda razão em terminar com você.
P: - A Vanessa é muito criança, João. Não entende que homens têm suas necessidades.
J: - Ela tinha 14 anos, Paulo, o que você esperava?
P: - Ué? Não estão sempre jogando na nossa cara que mulher amadurece mais cedo?
J: - Eu acho que ela é muito criança mesmo, mas isso não tem nada a ver com o que você fez. E você sabe disso. Não quero enganar a Melissa.
P: - Faz quanto tempo que vocês estão saindo?
J: - Três meses e cinco dias.
P: - Então acho que ela já está sendo enganada, não? O que você disse sobre você?
João olha para o teto.
J: - Disse que... disse que era formado em ADM pela PUC e que trabalhava numa multinacional. Meus hobbies são tênis e natação. Tenho um cachorro chamado Getúlio. É um chow chow.
P: - 'Cê é louco? Mas você criou um personagem de novela das oito para você? 'Cê nem sabe nadar! Nem sabe o que vai fazer na faculdade!
J: - Nem você! Eu queria parecer interessante!
P: - 'Cê é um tonto!
J: - Por quê? Por que criei uma pessoa que não existe?
P: - Não, porque você não sabe manter uma mentira e contou várias de uma vez só! Já era, Jão! Você não sabe mentir...
J: - Nem você, se soubesse a Vanessa ainda estaria com você...
P: - Dá pra parar de falar dessa chata! Eu que ia terminar com ela, isso sim, muito criança e birrenta!
J: - Mas você ainda gosta dela e, se eu percebi, isso quer dizer que você não sabe mentir...
P: - Não quero falar dela. Mas e aí? O que você vai fazer, vai contar a verdade pra ela? Você acha que ela topa numa boa?
João olha para o teto.
J: - Então... Não.
P: - Mas aí o problema é a mentira ou a sua idade?
J: - Acho que mais a idade do que a mentira. Ela vive falando que nunca ficaria com um cara mais novo, porque são todos uns imaturos, iguais aos caras da idade dela.
P: - Isso quer dizer que ela curte homens mais velhos? Quantos anos você disse que tinha?
J: - 28.
Paulo encara João.
P: - Ok, você está acabado, mas passar por 28 não passa não, acho que forçou a barra, mas se ela engoliu, tudo certo. E ela?
J: - 25.
P: - Ela é quase 10 anos mais velha do que você, hein? Deve ter muito pra te ensinar - dá uma piscadinha.
J: - É, ela me ensinou a dançar outro dia. Já assistiu Blade Runner?
P: - Já, mas faz tempo. Meu pai era doente por esse filme.
J: - Então... Sabe quando toca "One more kiss, dear"?
P: - Sei.
J: - A gente tava sentado no sofá, tava um frio dos infernos. Quando começou a tocar essa música, ela pulou do sofá, fugiu dos cobertores e começou a dançar sozinha.
P: - Que louca!
J: - De olhos fechados. Logo, pegou a minha mão, me puxou devagar e quando vi, a gente tava dançando.
P: - Você nunca tinha dançado com uma garota antes?
J: - Ah... Não daquele jeito. E aí ela me beijou. Foi diferente dos outros beijos. Acho que foi aí que comecei a ficar balançado de verdade. Sei lá, o beijo dela tem uma certeza...
P: - Certeza de quê?
J: - Não sei, é só uma certeza. Ela é tão real que às vezes parece que eu não sou, sabe?
P: - E você não é real, né mané! Olha, pelo que você tá falando a coisa é séria. E vai miar tudo porque você não sabe mentir. Mas e pra ela? Ela também está apaixonada?
João olha para o teto.
J: - Não sei. Como eu disse, ela me deixa muito solto. Às vezes, ela some e eu me remoendo, porque eu acho que ela pode ter qualquer cara que quiser. E como não estamos oficialmente juntos, ela pode mesmo ter quem ela quiser, entendeu?
P: - Você não tá pensando em passar para o "regime de exclusividade", né?
J: - Ela vale a pena.
P: - Todas valem até que se prove o contrário, Jão.
J: - Mesmo porque, não sei se ela toparia. Mas o problema ainda é a idade.
P: - Mas isso de ter 60 anos não significa ser maduro.
J: - Ela não entende isso. Ela acha que todo mundo corresponde, por dentro, à idade do R.G.
P: - Então ela não é tão legal assim.
J: - Não, ela é ótima.
P: - Se você diz... Mas quando vou conhecer?
J: - Não sei, porque não sei o que fazer. Como você quer conhecer a Melissa quando ela mal me conhece? Se eu contar a verdade, ela não vai querer mais me ver. Se eu continuar mentindo, não vou mais conseguir dormir ao lado dela em paz. Aliás, eu não tenho tido paz. Quanto mais eu me envolvo, mais eu minto. E quanto mais eu quero estar envolvido, menos eu quero mentir.
P: - Vai dar merda e você sabe...
J: - Vai mesmo e eu sei.
[Continua...]
(Frau Forster)
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