Maurício+Malu: A entrevista

Segunda-feira de manhã, Maurício já saindo do banho e Malu terminando de servir o café:
- O café 'tá pronto, se você demorar vai esfriar... - ela avisa.
- Já vou - ele grita do banheiro.

Malu prepara o café-da-manhã preferido dele: torradas com manteiga. Maurício chega apressado, já de terno e um olhar preocupado. Encara as torradas desanimado:
- Estou sem fome...
- Vai ter que comer, nem começa com história - diz ela duramente.
- Ai Lu, acho que nem vale a pena eu ir pra essa entrevista. Meu currículo nem é essas coisas, nem tenho muita experiência.
- E daí? Essa é a chance do seus sonhos. Faz semanas que você fala dessa vaga e da entrevista. Okay, você está começando, não tem muita experiência, mas suas referências são ótimas. E seu curriculo também é ótimo. Se não fosse, eles não teriam te chamado. Você não está pensando em desistir, né?
- Não sei Lu, não sei se todo esse desgaste vale a pena...
- Te conheço Maurício! Se você não for, vai passar o resto da vida pensando e se culpando "e se...". Eu não quero ser conivente com tudo isso. Agora bebe o seu café.
- Não gosto quando você fica autoritária. Ainda mais porque parece que você está decidindo por mim...
- Isso não é hora para crise e não estou decidindo por você. Estou tentando te apoiar, posso?
- Mas apoiar não teria a ver com você respeitar a minha decisão e ficar ao meu lado?

Malu olha para a sua xícara de café com leite. Depois de três goles de silêncio:
- Olha, eu acho melhor você tomar café sozinho, não está falando coisa com coisa.
- 'Cê tá fugindo da conversa isso sim.
- E você tá descontando a sua ansiedade em mim, Maurício. Você está perdendo o foco da conversa. Não sou eu, é você! Por que não assume que está em pânico? E acho que tem muito mais medo de conseguir do que de não conseguir...
- Tá maluca? É claro que eu quero o emprego! Como ia ter medo de conseguir?
- Porque você não sabe lidar com as mudanças e a nossa vida ia mudar.
- Malu, eu não tenho medo de mudar, nem de conseguir o que eu quero. É só que eu não sei se eu consigo, não sei se tudo isso vale a pena...
- Bom, sinto dizer, mas você só vai saber depois. E por que não arriscar? Se não der, não deu e você não perde nada. Já tem um bom emprego. Mas o problema é que ele não é o que você quer...
- Mas nem sempre a gente tem tudo o que quer.
- E se tiver a oportunidade e não agarrá-la com unhas e dentes é um pecado. O fato é que você tem potencial, capacidade. É um cara competente, responsável, dedicado. Não digo isso pelo que você respresenta para mim. Eu te conheço há muito tempo. Não estou falando sobre você como marido, mas como pessoa. 'Cê é um excelente profissional e sabe disso. Só que de tempos em tempos (ou sempre que é pressionado) entra em crise e acha que não é capaz de nada...
- Você está exagerando, Malu.
- Não, eu estou é me cansando. Você não tem mais 15 anos, acho que está na hora de assumir algumas coisas. E o seu papel de homem é uma delas.
- E qual o seu papel? De bancar a minha mãe?
- E não é horrível? Eu detesto isso, mas você parece não me deixar outra escolha quando começa com suas inseguranças...

Maurício pega a caneca de café e toma um gole.
- Está amargo.
- Não pus açúcar, deixei isso a seu cargo. Você sempre reclama que o café fica muito doce. Adoço do mesmo jeito que pra mim, porque gosto assim. Por isso é melhor você adoçar do seu jeito.
- Eu gosto do jeito que você adoça o café. Acho que me acostumei.
- Seja como for, não demore ou as torradas esfriam e torradas com manteiga não têm graça se estão frias.
- É, é verdade.

Uma estranheza tinha acabado de nascer entre ambos. Malu se levanta e leva sua xícara vazia. A cadeira vazia. A cozinha vazia. Silêncio. Ela costuma ligar o rádio logo cedo, mas desta vez não liga. Maurício engole as torradas sem prazer e bebe seu café sem açúcar.

Deixa a mesa  posta, leva a caneca para a pia. Arrasta-se até o banheiro, tão pesado, e escova os dentes. Tenta arrumar os cabelos rebeldes: impossível. São tão leves que se desarrumam por qualquer bobagem. Como podem ser tão leves se sua cabeça e seu coração estão pesados?

Maurício está vestindo os sapatos pretos e vê Malu junto à porta. Os cabelos bagunçados, o pijama de verão. Ela entra mansamente com uma gravata nas mãos:
- Vai ficar perfeita em você - diz ela colocando a gravata nele.
- O seu nó sempre fica melhor do que o meu.
- É porque eu vejo o que você não vê. Vejo as coisas por uma outra perspectiva.

Ela sorri e lhe dá um beijo suave. Ele sorri. Tudo está bem novamente.

Ouvindo "Black" (Pearl Jam)

Comentários

Postagens mais visitadas