Contenção

Ele vinha abafando aquilo o que existia de mais sombrio e decadente dentro de si. Todos os impérios entram em decadência uma hora. E só se apaga aquilo o que já brilhou. Entretanto, ele não sabia como lidar com aquele traição sem tamanho medida precedentes.

Não respirava mais, era como se tivesse prendido o ar que apodrecia seus pulmões. Deviam estar negros como os de um fumante. O quarto sem janelas e o fumante floreando desenhos com a fumaça densa. Seu hálito era o de um fumante, embora não fumasse. Era simplesmente o acúmulo de detritos resíduos resquícios.

Tolhia-se sem mais pensar nem sentir. Era o de praxe o conveniente o confortável. Confortável onde? A úlcera estava longe de fazer cócegas, mas a dor fazia com que visse estrelas. Já era alguma coisa. Você já se sentiu, com tanta dor que via estrelas? A cabeça tuntuntuava, o coração manchando toda a sala. Vazava. Sua carne mole e macia ainda, em oposição ao coração endurecido, se esparramava, manchando os tapetes e cortinas. Mas, por fora, impassível.

E um eco de vazio de ausência de omissão negação permissão amaciava seus ralos cabelos. Tudo ali, para quem quisesse ver. Mas ninguém queria. Nem ele mais queria. Era mais fácil se pintar de cego. Mas era mesmo? Mas o que era toda aquela raiva sob a superífice tranquila e benevolente? Mas como um homem bom como ele podia sentir tanta raiva? 

Não uma raiva qualquer, instintiva. Era sim uma raiva pensada argumentada rejeitada - mas presente. E contida, ele a continha com todas as suas forças. Prendia-a com rédeas curtas e severas. Sempre senhor de si. Sempre sob controle. Sempre contendo o sofrimento mais torpe por uma carapaça que pesava agora. Mas, ainda assim, caminhava sorridente, como se nada estivesse acontecido-cendo.

Um dia saiu de casa tranquilamente. Seu andar era despretencioso seguro confiante. Sempre o mesmo semblante. Subiu as escadarias com a costumeira calma e, ainda com ela, deu sete tiros a sangue frio quando abriram a porta. Em seu rosto, não se lia nada. Sempre o mesmo semblante. Era um homem contido.


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